Questões do Nosso Tempo

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Guido Bilharinho

A competência e as atribuições do Conselho Nacional de Justiça vêm definidas e determinadas no parágrafo 4º do artigo 103-B, da Constituição Federal, não podendo, sob nenhuma hipótese, serem postas em causa, limitadas ou ampliadas, a não ser, evidentemente, por alteração constitucional.

O elenco das medidas possíveis e passíveis de implementação pelo Conselho não deixa a menor dúvida sobre o alcance de sua competência.

Mais do que isso, implica em obrigações inderrogáveis e inadiáveis que, sob pena de responsabilização, não podem deixar de ser tomadas e viabilizadas.

Já no caput do referido parágrafo é de sua competência “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, significando que dentro desses parâmetros seu poder é incontrastável e suas obrigações indelegáveis.

Já no inciso III, é de sua competência e obrigação “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus órgãos auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro [...] sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas”.

O inciso V prevê sua competência para “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano”.

Observa-se, pois, que o Conselho possui competência originária e direta, concomitante e concorrente com as corregedorias estaduais (caput e incisos I a III) e derivada (inciso V) para atuar no amplo espectro de possibilidades previstas, tendo a obrigação de fazê-lo a tempo e modo, não podendo, no exercício pleno dessas atividades, ser cerceado por nenhum outro órgão, já que no campo de sua competência fiscalizadora todos lhe estão subordinados.

O disposto na alínea “r”, do inciso I, do artigo 102 da Constituição, que trata da competência do Supremo Tribunal Federal e que lhe permite processar e julgar originariamente ações contra o Conselho Nacional de Justiça não outorga a esse órgão o direito de ferir ou restringir a competência constitucional do Conselho, mas tão somente corrigir eventuais extrapolações de sua competência, sem contudo, poder interferir em decisões proferidas no âmbito de sua competência constitucional, como é óbvio.

Ao Supremo, pois, não compete interferir e cercear, como pretendem alguns, o poder constitucional do Conselho conforme expresso e explícito no citado inciso III, do artigo 103-B da Constituição.

Se assim o fizer, estará extrapolando de suas atribuições, descumprindo a Constituição e interferindo indebitamente na competência Constitucional do Conselho, movido por entranhado corporativismo, próprio apenas de sindicatos e associações profissionais, aliás, sintomaticamente, os autores da ação proposta contra o Conselho.

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, foi candidato ao Senado Federal e editor da revista internacional de poesia Dimensão, sendo autor de livros de literatura, cinema e história regional.

(Publicação autorizada pelo autor)

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Questões do Nosso Tempo

Editorial 7


O PENSAMENTO UNILATERAL

O Meio-Ambiente e os Imóveis de Valor Arquitetônico

“Pimenta nos Olhos dos Outros é Refresco”

Guido Bilharinho

Uma das aventuras intelectuais de nosso tempo consiste em perceber, aqui, ali e em todo lugar, manifestações do pensamento unilateral, que vislumbra as questões e os problemas humanos, sociais e administrativos por apenas um prisma e que se origina de pessoas alheias aos contextos reais em que essas questões e esses problemas surgem ou ocorrem; de pessoas sem comprometimento e, principalmente, sem responsabilidade direta com as causas, as manifestações e as resultantes que compõem as situações criticadas. Pessoas, enfim, dedicadas a outros misteres, destituídas do contato, da vivência e da experiência com as circunstâncias, e, por isso, indiferentes às consequências advindas àqueles diretamente nelas e por elas envolvidas.

Ao contrário do conceito de Ortega y Gasset, de que o ser humano é ele e sua circunstância, esses críticos são eles e sua idealização preconceituosa do real.

É o que acontece, por exemplo, com os que têm a pretensão de defender o meio-ambiente sentados em seus gabinetes profissionais, bibliotecas, cátedras e redações, desvinculados da realidade, emitindo opiniões e propostas idealizadas.

No caso das matas, das encostas e das margens dos cursos d’água, bem como dos imóveis de valor histórico e arquitetônico, defendem simplesmente sua preservação a todo custo, seja em prol da sobrevivência da humanidade, seja para conservação da memória e do valor artístico.

Contudo, como não possuem propriedade rural nem imóvel de valor histórico-arquitetônico, julgam que só os proprietários desses bens é que deverão ser obrigados a preservá-los e mantê-los intactos para gáudio e usufruto de toda a sociedade, sob pena de criminalização e penalização. “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, diz o ditado.

Não lhes ocorre, a esses unilaterais, que se é para o bem de todos, entre todos deverão ser distribuídos os ônus da manutenção desses bens.

São, pois, injustos, quando não francamente inconstitucionais, inúmeros dispositivos da legislação ambiental e de preservação dos monumentos arquitetônicos ao transferir e impor aos proprietários desses bens o encargo de sua conservação, prescrevendo-lhes até multas e penalidades.

Diante dos exageros e absurdos a que esse unilateralismo está chegando, é hora de se questioná-lo para alterar essa legislação iníqua, e também unilateral, distribuindo (e atribuindo) a todo o corpo social os custos daquilo que o beneficia e que a esses proprietários prejudica.

É necessário que se obrigue a União, os Estados e os Municípios a adquirir e indenizar pelo justo valor, como lúcidas lideranças políticas já vêm defendendo e alguns não menos lúcidos administradores já estão fazendo, as áreas e os imóveis a serem preservados, incumbindo-se inteiramente das despesas de sua proteção e manutenção, ou seja, assumindo sua responsabilidade pelo bem comum. Aliás, para isso é que existem os órgãos públicos, por sinal muito bem remunerados por alta carga de impostos. Além disso, é claro, criminalizando e penalizando pesadamente, isso sim, aqueles que invadirem, depredarem ou por qualquer modo causarem dano a esse patrimônio público comum.

Não é justo (e nem deve ser legal) que o proprietário rural, além de não poder cultivar boa parte de sua área (em alguns casos até mais de 40%), ainda seja responsabilizado (e penalizado) por sua conservação, sendo até considerado criminoso ambiental se não o fizer. Do mesmo modo, não é justo (nem racional) que o proprietário de imóvel de valor histórico-arquitetônico ou localizado em entornos culturais, além de ter depreciado seu valor e perder a possibilidade de sua normal comercialização, ainda seja constrangido a dele cuidar e manter.

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Guido Bilharinho é advogado em Uberaba, ex-candidato ao Senado Federal e autor de livros de literatura, cinema e história regional.

(Publicação autorizada pelo autor)

Editorial 6

O ESPÍRITO PÚBLICO

Guido Bilharinho

Moeda rara, cada vez mais rara, raríssima, vem sendo o espírito público.

Tal “espírito” implica em se sobrepor aos interesses particulares (pessoais e corporativos) o interesse coletivo, respeitados, porém, aqueles, desde que exercidos dentro dos limites da lei visando objetivos legítimos.

A liberdade individual, em todas suas manifestações e áreas de atuação, pensamento, ação e organização é bem supremo, que deve ser alcançado, mantido e defendido. Contudo, quando exercitada legal e legitimamente, sob legislação colhida e implementada por órgãos legislativos livres e independentes, eleitos seus componentes diretamente pela população votante.

O espírito público, de que o Brasil anda tão carente e cujas escassas manifestações passam quase despercebidas justamente por serem raríssimas, dispõe que a sociedade como um todo e cada cidadão em particular respeitem e objetivem atingir e manter o primado do coletivo, do geral, sobre o particular.

Todo candidato a qualquer cargo público, em todos os níveis, deveria (ou deverá) pretender trabalhar, primeiro, pelo bem comum e só depois por suas pretensões eleitorais, desde que, é claro, estas não entrem em conflito com aquele.

Todavia, o que observamos e o que se tem, é justamente o oposto, circunstância que não outorga a essa realidade foros de legitimidade e, muito menos, de permanência e aceitação. É propósito inatingível? Mesmo se fosse, como diz o poeta espanhol Antônio Porchia, “cuando no se quiere lo imposible, no se quiere”. Todo cidadão digno e responsável, para sê-lo efetivamente, tem de querer e de agir em consonância, sem o que o país nunca emergirá da precariedade e do desequilíbrio humano e social que o caracteriza, não obstante os avanços e progressos havidos em alguns setores.

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Guido Bilharinho é advogado em Uberaba, ex-candidato ao Senado Federal e autor de livros de literatura, cinema e história regional.

(Publicação autorizada pelo autor)

Editorial 5

Financiamento de Campanhas Eleitorais


Guido Bilharinho

Uma das principais causas − se não for a principal − do caixa dois e do financiamento das campanhas eleitorais por grupos econômicos é o alto, às vezes altíssimo custo, dessas campanhas.

Para enfrentar as despesas daí decorrentes, os candidatos necessitam, com raras exceções, de recursos. Conforme o cargo pleiteado, de vultosos recursos.

Esse mecanismo eleitoral é duplamente nocivo e perverso, além de antidemocrático, já que não dá oportunidades iguais a todos, afastando das eleições pessoas que não têm dinheiro e nem se sujeitam a procurá-los nos grupos econômicos, dos quais ficariam reféns, como fica a maioria absoluta dos eleitos.

Nocivo justamente por isso. Nos cargos, não representam os eleitores e a sociedade da qual emergem, mas, os grupos financiadores, que investem com o intuito de obter favores e vantagens da máquina pública.

Duas seriam as medidas eficazes para solucionar tais problemas.

Uma, o financiamento público das campanhas. Porém, não injetando, para essa finalidade, recursos nos partidos políticos e, muito menos, nos candidatos, mas, os próprios órgãos públicos (Prefeituras, Estados e União, sob a égide e direção da Justiça Eleitoral devidamente aparelhada) viabilizariam diretamente os meios publicitários, reservando, por renúncia fiscal ou mesmo remunerando, quando o caso de inviabilidade da renúncia, espaço e tempo na imprensa, rádios e televisões, montando palanques e infra-estrutura em determinados locais para os comícios e fixando grandes placas nas principais praças públicas e locais estratégicos com espaços iguais para todos os candidatos.

Os modos operacionais desses eventos (cívicos) são facilmente exequíveis e executáveis, bastando vontade, determinação e competência.

A segunda medida − imprescindível − é a proibição, absolutamente total, da realização de campanhas eleitorais fora do âmbito de sua veiculação pública. A fiscalização disso é facilmente praticável, a começar que os próprios candidatos seriam fiscais uns dos outros, bem como os eleitores de modo geral.

Fora desses parâmetros, é impossível sanear e moralizar as campanhas eleitorais e injetar seriedade, responsabilidade e efetiva representatividade nos mandatos.

A sociedade e suas entidades e instituições têm de se compenetrar da necessidade absoluta dessas medidas de profilaxia eleitoral, a fim de que, efetivamente, sejam representadas pelos eleitos.

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Guido Bilharinho é advogado em Uberaba, ex-candidato ao Senado Federal e autor de livros de literatura, cinema e história regional.

(Publicação autorizada pelo autor)

Editorial 4

MENSALÕES

Efeitos e Causas

Guido Bilharinho

João Guimarães Rosa advertiu: “não basta mudar os jogadores se não se mudar as regras do jogo”.

O Brasil foi palco há vinte anos de atuação delituosa de dirigente público, que lhe custou o governo.

Contudo, malgrado o escândalo e os rios de tinta gastos em profligar essa atuação, não se modificaram as regras do jogo.

Trocaram-se os jogadores, expulsando de campo o time responsável pelo escândalo e colocando, tempos depois, justamente seu então tido como oposto e maior adversário.

O que aconteceu? Em linhas gerais, as mesmas coisas, tanto para fazer caixa de campanha como para comprar adesão e votos de deputados para obter apoio legislativo, alguns (ou muitos) apoderando-se também das eufemisticamente denominadas “sobras de campanha”, nesse toma lá e dá cá favorecendo em licitações e publicidades oficiais os alimentadores e guarnecedores das caixinhas.

Não podem ser esquecidos, nessa prática, os demais concorrentes, um deles até inaugurando o esquema em nível estadual e outro adquirindo, pela mesma época, com pagamento em espécie, votos parlamentares para aprovação do sistema reeleitoral e, no momento, entre diversos esquemas corruptores, o do enrolado grupo do Distrito Federal.

A causa dessas e de outras práticas reside na necessidade de se amealhar dinheiro para enfrentar o extraordinário custo das campanhas eleitorais. Por baixo, hoje, mais de cem milhões de reais para a presidência da república e, conforme o caso, de dois a cinco milhões de reais, quando não mais e raramente menos, para a campanha a deputado federal. Kassab, o prefeito eleito de São Paulo, gastou R$ 29,7 milhões na campanha!

Quem, destituído de posses, de largas posses, e não se sujeitando a se tornar refém de financiamentos de grupos econômicos, pode enfrentar essas dispendiosas campanhas eleitorais?

É grave, além de antidemocrática, a impossibilidade da maioria esmagadora das pessoas não terem, nessas circunstâncias, condições financeiras para se candidatarem. Contudo, mesmo as tendo, para que e por que gastá-las?

Porém, é gravíssimo não tê-las, consegui-las e se elegerem. Quem, então, as financiou? Com que intuito? Para que?

Mark Twain, o célebre escritor estadunidense, afirmou que “Os Estados Unidos têm o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”. E o Brasil? E os demais países subdesenvolvidos e explorados de todas as maneiras e modos pelos desenvolvidos?

Perguntas, indagações, perplexidade.

Não adianta, pois, apenas (ressalte-se o apenas) deblaterar contra os autores e atores dessas tragédias vividas pelo Brasil. Já se fez isso – e até se foi às ruas – há anos atrás e não adiantou. Os rombos, as malversações, os desvios, os caixas dois até recrudesceram. Por quê? Porque não se mudaram as regras do jogo, que permaneceram incólumes e assim permanecerão se a sociedade apenas se limitar a se indignar e a deblaterar, não se interessando nem se esforçando para saber porque aconteceu tudo isso e, conhecidas as causas, não agir para extirpá-las, contentando-se apenas em apontar, processar, cassar, condenar e prender os desvairados jogadores sem alterar as regras do jogo.

É imprescindível, pois, que se pressione e se exija do Governo e do Congresso reforma político-partidária-eleitoral que democratize as organizações partidárias e impeça a orgia financeira das campanhas eleitorais, disciplinando-as rigorosamente e impedindo nelas quaisquer gastos particulares, próprios ou doados, substituindo-os pelo igualitário e única e verdadeiramente democrático financiamento público.

Só isso, porém, não vai melhorar de imediato a administração do país e a defesa, interna e externa, de seus interesses. Mas, é o primeiro passo. Sem ele, continuará o país a patinar no lodaçal da política fisiológica, oportunista, clientelista, carreirista e farisáica.

Não adianta combater os efeitos se não se extirparem as causas.

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Guido Bilharinho é advogado em Uberaba, ex-candidato ao Senado Federal e autor de livros de literatura, cinema e história regional.

(Publicação autorizada pelo autor)

Editorial 3

CRÍTICA LITERÁRIA X INDÚSTRIA

DO ENTRETENIMENTO

Guido Bilharinho

Afrânio Coutinho, em quem se reconhece a grande sabedoria, o idealismo e os bons propósitos, cometeu um equívoco na esteira de tese preconizada pelos divulgadores ianques do newcriticism literário, ao propugnar pela eliminação da crítica literária nos jornais e seu recolhimento às lides e publicações acadêmicas, afirmando, por exemplo, que “o rodapé semanal não mais comporta, em nosso tempo, a alta crítica” (in “Que é a Crítica?”, Diário de Notícias) “o rodapé semanal só comporta o review [“comentário, noticiário de livros do momento”], e não a crítica” (in “Achismo Crítico”, Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 27 maio 1956).

Nisso, sem querer e sem saber, facilitou a tarefa da indústria do entretenimento, impropriamente denominada por Adorno de “indústria cultural”, terminologia usada e repetida ad nauseam por esnobes e pedantes articulistas de jornais editados nos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro, que, por sinal, até hoje ainda denominam os estadunidenses ou ianques de “americanos”, quando americanos somos todos nós, os nascidos do Alasca à Terra do Fogo.

É que a indústria do entretenimento, criada, desenvolvida e impulsionada nos quadros do consumismo imposto à sociedade, ao visar uniformizar o gosto e estandardizar as vontades e preferências, alija, discrimina e isola automaticamente o saber, o conhecimento, a autonomia e independência individuais e, com eles e elas, a arte, a ciência, a criatividade, a inventividade e a singularidade.

A razão desse procedimento reside na circunstância, não só relevante quanto fundamental, da lucratividade e do expansionismo capitalista.

Esses objetivos só se alcançam, no atual estádio do desenvolvimento, numa economia de escala, em que a produção e o consumo de milhares e milhões de artefatos de qualquer produto rebaixa o preço unitário, gerando exponenciais índices de lucratividade.

Para a consecução desse desiderato, e desse contingenciamento indústrio─comercial, é indispensável, por intermédio dos meios de comunicação ─ cada vez mais sofisticados ─ introjetar na sociedade, também por todos os outros canais possíveis, entre eles o ensino, a uniformização (e nivelação por baixo) do gosto, transformando o cidadão em consumidor cada vez mais passivo dos milhões de anódinos produtos da indústria do entretenimento.

Assim, ao propugnar Afrânio Coutinho pelo recolhimento (e encolhimento) da crítica literária às quatro paredes dos cursos de letras, sem querer colaborou e de certo modo apressou, nessa área, o processo de isolamento e ilhamento da cultura na sociedade contemporânea (que, aliás, mais cedo ou mais tarde, viria de qualquer modo), já que em seu tempo não se poderia imaginar os desdobramentos desse processo tão insidioso quanto maléfico, visto impedir ao leitor de jornais e revistas ter acesso às opiniões, impressões (também elas, por que não?), análises e juízos avaliativos dos sucessores de críticos como José Veríssimo, Araripe Júnior, Tristão de Ataíde, Agripino Grieco, Álvaro Lins, Franklin de Oliveira, Augusto Méier dentre outros que pontificaram na imprensa e, por último, mas como figura isolada, Wilson Martins, recentemente falecido.

Em seu lugar, entronizou-se o estupidificador jornalismo de espetáculos.

(publicação autorizada pelo autor).

Editorial 2

NÃO É BEM ASSIM
Guido Bilharinho

Consoante matéria jornalística publicada no último dia 29 de dezembro em um dos jornais do município de São Paulo, o crítico e estudioso de cinema, Jean–Claude Bernadet, em um de seus livros, agora reeditado, além de diversos outros assuntos abordados, enfatiza o papel do produtor cinematográfico.
Contudo, faz isso em detrimento do papel do diretor de filmes e da concepção e percepção artística e cultural do cinema, seguindo o viés, cada vez mais dominante imposto pela indústria do entretenimento, impropriamente denominada por Adorno de indústria “cultural”, termo que possui sentido estrito que não pode ser ampliado ou confundido sociologicamente com tudo que é produzido socialmente, que é outra coisa.
No depoimento que concedeu ao jornal, afirma que o menosprezo ao papel do produtor “implica em posições moralistas, que não levam em consideração o mercado, o público, as estruturas de produção”.
Nesse passo defende justamente o que constitui o diversionista, o espetaculoso, o meramente indústrio–comercial em contraposição à orientação e prática artístico-cultural.
No caso, ou se propugna e se valoriza a realização de valor estético, que nas obras de ficção implica em autenticidade, seriedade e profundidade do tratamento temático e utilização elaborada e crítica da linguagem cinematográfica ou, ao contrário, se advoga o produto cinematográfico comercial, que, para falar o mínimo, é seu oposto e impinge à sociedade filmes (e, outras áreas, livros e músicas) destituídos de valor e meramente aproveitadores da falta de gosto e da carência de formação artístico-cultural do povo.
A atitude, pois, dos que se alinham na primeira posição, não é “moralista”, como também impropriamente acusa o referido crítico. É única e exclusivamente artística e cultural, como se está cansado de saber e até se admira que se confunda com o “moralismo” geralmente falso e, quando não, retrógrado e reacionário que domina e predomina principalmente nas camadas médias da sociedade e é uma das causas mais daninhas e obstaculizadoras do desenvolvimento e da democratização social.
Não constitui, também, como afirma, “ponto de vista de esquerda” julgar “catástrofe” o filme biográfico de Lula.
É ponto de vista estético-cultural, já que toda obra de produtor, como é o caso, não passa (nem ultrapassa) o ínfimo patamar do espetáculo, do apelo emocional e do entretenimento desclassificado e de baixo ou de nenhum nível intelectual, que, lamentavelmente, atinge mais de 90% (noventa por cento) dos filmes e, também, na música, a maioria absoluta das gravações que enxameiam as rádios e emissoras de televisão.
O cinema é arte e, como arte, não se compadece com sua instrumentalização indústrio-comercial de mero produto de consumo fácil, leve, descompromissado e descartável, visando sucesso de bilheteria e lucratividade.
A arte, qualquer delas, por sua substancialidade e significado, não se pode tornar objeto de manipulação para atendimento da lucratividade comercial. Tão negativo quanto esse desvio é a defesa que dele se faz.
Quanto ao público, carente de formação intelectual, artística e cultural, mantido assim propositadamente, basta se lembrar a constatação de determinada rede de televisão de que quando subia o nível da programação caía o índice de audiência, ou seja, para o público, nessa perspectiva, “quanto pior melhor”.
Quem defende a arte, a ciência, o conhecimento, o saber enfim, não despreza o público quando afirma que ele não os possui. Muito ao contrário. Constata a realidade, não se quedando só nisso, porém. Além disso, e de lamentá-la, pretende modificá-la para que cada vez maiores parcelas do povo elevem seu grau de conhecimento e conscientização para que possam ter condições de usufruir das obras criadas pela capacidade, inteligência e sensibilidade humana, o que não vem acontecendo. Essa posição, sim, valoriza o ser humano, é democrática e não mero e vão democratismo.
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Guido Bilharinho é autor de vários livros de história e crítica de cinema, entre eles, Clássicos do Cinema Mudo, e, publicado mais recentemente, O Cinema Brasileiro nos Anos 50 e 60, todos editados pelo Instituto Triangulino de Cultura (www.institutotriangulino.blogspot.com).

(Publicação autorizada pelo Autor)
O Cinema Brasileiro Nos Anos 50 e 60

Acaba de ser lançado o décimo primeiro título da coleção “Ensaios de Crítica Cinematográfica”, editada desde 1999 pelo Instituto Triangulino de Cultura, sediado em Uberaba, consistente da obra O Cinema Brasileiro Nos Anos 50 e 60, de Guido Bilharinho.
À semelhança dos demais livros da coleção, nesse são analisados mais de cinquenta filmes brasileiros realizados nas décadas de 1950 e 1960.
Os artigos são ordenados de conformidade com a ordem cronológica do lançamento dos filmes comentados, entre eles, Amei Um Bicheiro, O Cangaceiro, Sinhá Moça, Floradas na Serra, O Grande Momento, Assalto ao Trem Pagador, Os Cafajestes, O Pagador de Promessas, Os Fuzis, Noite Vazia, O Padre e a Moça, O Caso dos Irmãos Naves, O Bandido da Luz Vermelha e Macunaíma.
A abordagem do filmes, analítica e judicativa, orienta-se pelos pressupostos de autenticidade do tratamento temático e de utilização elaborada da linguagem cinematográfica.
Complementam a obra (de 274 páginas e duas dezenas de ilustrações em papel couchê), índices onomásticos e de filmes e publicações citadas, bem como filmografias dos diretores dos filmes analisados e outras indicações orientadoras, além de circunstanciado sumário.
Pelo preço de R$ 30,00, o livro pode ser adquirido pelo blog http://www.institutotriangulino.blogspot.com/, pelo e-mail institutotriangulino@yahoo.com.br, pelo telefone (34) 3312-1122 ou encomendado às principais livrarias do país.


Ensaios de Crítica Cinematográfica:
A Maior Coleção do Gênero Editada no Brasil.

Editorial 1


FRODON TEM TODA RAZÃO




Guido Bilharinho


Jean-Michel Frodon, crítico de cinema, em entrevista à Folha de São Paulo do último dia 2 de novembro, afirmou, ao responder à indagação de Ana Paula Sousa, de “Como vai o cinema, brasileiro”? que “é um cinema sem maior brilho [....] não é tão bom quanto poderia ser” e, adiante, em resposta a outras questões, aduziu, entre diversos comentários, que “o Brasil vem ganhando visibilidade internacional e poderia traduzir esse movimento histórico em filmes, mas, ao contrário da China e de outros países asiáticos, não tem feito isso”, que traduz “dependência cultural de Hollywood”.

Dois dias depois, no mesmo jornal, Cacá Diégues rebate tais declarações, afirmando, em síntese, que “mas mesmo o mais fino intelectual europeu é, às vezes, vítima de uma tradição iluminista-voluntarista em que o mundo acaba se dividindo em diferentes humanidades cujos papéis estão sempre pré-determinados” e que sua sugestão de que o cinema brasileiro deveria ser “como o que ele julga ser o asiático” seria “um colonialismo de esquerda” e, depois de outras considerações, arremata, doutoral e categórico, que “cada macaco no seu galho - quem diz como esses filmes devem ser é quem os faz”.

À evidência, que Diégues desfoca a discussão e tergiversa. Frodon tem direito e competência para opinar e julgar não só o cinema brasileiro como o cinema de qualquer país.

A seguir-se a opinião de Diégues nenhum crítico, de qualquer arte, poderia opinar sobre a arte de outro país. Pior, nem de seu país, já que ele, peremptório, afirma, sem rebuços, que “quem diz como esses filmes devem ser é quem os faz”, o que abole a crítica e a opinião alheia, qualquer seja. A função da crítica não se restringe a opinar e julgar, devendo, também, sugerir, orientar, propor.

Ao contrário disso, não é o autor de obra artística quem diz como ela deve ser feita. Ele a faz e isso é suficiente.

A seguir-se a sugestão de Diégues está-se, simplesmente, coartando, impedindo e abolindo o debate, a crítica e o julgamento da obra de arte, o que pode (e deve) ser feito, com maior ou menor proficiência, por todos, inclusive outros autores e até o próprio. São inumeráveis os exemplos de autores que renegaram alguma de suas obras. E, muitas vezes, com razão. Outras não, como Kafka em relação às suas.

No cinema e na música popular essa questão é mais tormentosa, porque a maior parte da produção é meramente espetaculosa e comercial, visando o sucesso de público e a bilheteria. Ou seja, a negação da arte e da cultura.

Será isso que quer Diégues? A seguir-se ao pé da letra sua invectiva, é isso mesmo. Com esse “patrulhamento” não se pode concordar.

Quem realiza um filme ou escreve um romance pode ter, e a maioria o tem, interesses subalternos de, explorando a falta de gosto e de cultura da maioria, impingir-lhe obras que a agrade (para ter retorno monetário).

No mais, além de Frodon ter o direito de opinar, ele tem, no mérito, toda a razão. O cinema brasileiro contemporâneo, como o cinema da maioria dos países, está dominado completamente pelo viés comercial espetaculoso, anti-artístico e anti-cultural.

Contudo, no Brasil, tivemos movimentos do mais alto nível artístico-cinematográfico como foram o Cinema Novo (“Uma Idéia na Cabeça e Uma Câmera na Mão”) e o Cinema Marginal (“A Vontade Louca de Fazer Cinema, Doa a Quem Doer”). A falta dessa produção cultural coletiva é que Frodon lamenta. Quando cita o cinema asiático pelo que ele é, e não pelo que ele “julga ser”, é para indicar isso. Onde filmes brasileiros contemporâneos do nível universal daqueles do Irã de uns anos para cá?

Todos percebem, ou deveriam perceber, que vêm predominando insidiosamente, e cada vez mais, o espetáculo em detrimento do artístico e a irresponsabilidade e o facilitário em prejuízo do enfoque da problemática humana, do rigor e da elaboração formal. É justamente essa falta, em nosso cinema, que Frodon, com toda razão e direito, lamenta. E é muito bom que o faça, porque a crítica cultural no Brasil não está nem tendo mais espaço de manifestação, “está tudo dominado”.